sexta-feira, 14 de junho de 2013

NO MESMO BARCO


Estamos indo pro mesmo lugar. O cais, nosso porto seguro, onde dilui mo nos neste ar mormacento de normais. Sei que ela me entende, gostaria que não, mas seus passos são iguais aos meus e suas lágrimas amargam como as minhas. Que fizesse como os outros, pois seu amor compadecido machuca até mais que a incompreensão dos leigos.
Estou farto desse segredo amorfo. Todos sabem e disfarçam, iludem-se, porquê? É tão difícil aceitar a deficiência alheia? Precisa entender o que não se explica?. Essas e outras a fazem me amar realmente, a amo também, só que prefiro ficar longe dela. Não dispor de afeto faz parte da minha condenação.
Temo o desprezo dos que são livres. Eu entendo tudo, hoje sei, porém nada do que está comigo poderia ser compartilhado entre cinquenta mentes. Minto a mim. Digo dia pós dia que estou bem, não preciso de ninguém, sou algo à parte e não é questão de soberba, já aceitei algumas ajudas.
Quiseram saber sobre isso outro dia, mas tudo que respondi é que sou um suicida. Não literalmente, óbvio, quis dizer apenas que não tento curar minhas gripes, controlar a glicose sanguínea nem a pressão arterial... E isto é, em pequenos fragmentos, a morte.
Constantemente corro pro mesmo destino e o acalanto que lá me espera nunca é como eu queria. Não é quente, não é doce nem me derrete. Talvez tal consumação nem exista, e se existir, é somente carnal e menos complexa que um abraço.

Neri, Vinícius 8 de maio de 2013

sábado, 11 de maio de 2013

MIL TIPOS DE MÃE



Quantos tipos de mãe existem por aí. Quantos tipos de amor resumem se em lágrimas de parto e sorrisos ao amamentar, quantos, mil? Não! Com certeza bilhões, mais de sete, pois se hoje somos sete bilhões de terráqueos, desde Eva, outras muitas mulheres trabalharam à favor da vida. Negras, índias, japonesas e europeias, em cada cultura, apenas a procriação fala a mesma língua em todos os continentes, e de afeto materno, surdos e cegos entendem.
Tal carinho ninguém dá como elas. É uma proteção singular, pura, que vai além do que os homens chamam de racional. Por exemplo a leoa, que nem lembra da sua fragilidade de fêmea ao avançar contra qualquer leão que ameace sua cria.
Nem mesmo o amor ausente enfraquece. Deste eu desfrutei, virei noites ao avesso esperando um beijo de boa noite, um abraço... Tinha consciência de que bastava uma gota daquele afeto para aplacar minhas dores.
Mãe é o refugio das maldades do mundo. É aproximação transcendente, e de longe ou de perto, este amor está habitando em nós. Como Deus.

11 de maio de 2013, Neri Vinícius

domingo, 31 de março de 2013

FANTASIA INFANTIL



 Quem não cresceu meio a ilusões e fantasias mirabolantes? Que criança nunca creu em papai Noel, em coelhinho da páscoa, bicho papão, etc. Eu não fui diferente, o problema é que minha imaginação foi sempre interrompida pela realidade. Quando um mundo colorido se erguia na minha cabeça outro mundo preto e branco destruía minha alegria inocente. Os ovos de páscoa por exemplo, me extasiavam tanto que eu gastava uma semana pra comer um ou dois que ganhava. Era tão bom olhar aqueles ovos, imaginar como ele foi criado, porque era tão doce, e... como eu podia sentir o cuidado com que o coelhinho branco os chocou pra mim.
 O fetiche-mor, meu sonho de consumo, foi com certeza o Kinder ovo de páscoa. Seus comerciais na TV eram os melhores, aquelas crianças felizes se lambuzando de chocolate, e o melhor, além de come-los você ainda ganhava um brinquedo que poderia durar pra sempre. Que legal. Cheguei a pedir pra alguns adultos, mas essa marca era uma das mais caras. Certa páscoa juntei dinheiro suficiente pra comprar uns três do grande, porém eu não queria assim, só tinha graça se alguém me desse e isso custou minha infância toda, nunca ganhei.
 Pouco tempo atrás, aos dezessete anos, fizemos um amigo chocolate na empresa que eu trabalhava. É uma brincadeirinha meio chata, resume-se em dar e receber ovos de páscoa, abraçar uns aos outros e tirar fotos. A melhor parte é quando chega nossa vez de ganhar, claro. E finalmente, o fantástico, absoluto, supremo e digníssimo presente que ganhei foi, acreditem, o Kinder ovo gigante. Faltaram-me palavras, mal havia entrado na adolescência e já queria voltar a ser criança, corri pra casa, estava ansioso pra degustar meu sonho primeiro.
 Abri cuidadosamente aquela embalagem brilhante, segurei com cuidado para não quebrá-lo e tasquei lentamente. Mordia pra lá, pra cá, cá, ecááá. Eu amei isso uma vida inteira? Como fui capaz, leite em pó mal misturado com açúcar e coberto por uma fina capinha de chocolate. Desencantei totalmente. O Kinder foi apenas uma fantasia infantil, certamente se tivesse comido quando criança, teria aprendido a amá-lo por força do encanto, no entanto... O eu adolescente não sentiu mágica alguma, e sabor francamente ele não tem. Desculpem-me os grandes iludidos. É que quando a gente cresce nossas exigências são mais fundamentadas.

Neri, Vinícius 31 de março de 2013

quarta-feira, 13 de março de 2013

FELICIDADE




A doce tarde morre. E tão mansa
Ela esmorece,
Tão lentamente no céu de prece,
Que assim parce, toda repouso,
Como um suspiro de extinto gozo
De uma profunda, longa esperança
Que, enfim cumprida, morre, descansa...

E enquanto a mansa tarde agoniza,
Por entre a névoa fria do mar
Toda a minh'alma foge na brisa:
Tenho vontade de me matar!

Oh, ter vontade de se matar...
Bem sei é cousa que não se diz.
Que mais a vida me pode dar?
Sou tão feliz!

- Vem, noite, mansa... 


MANUEL BANDEIRA

terça-feira, 12 de março de 2013

Minha coleção de lágrimas

 Arrumando a bagunça do meu quarto encontrei uma caixinha azul que havia perdido há muito tempo. Trata-se de um simples depósito de bens sentimentais, um espaço onde guardo lembranças boas e ruins, que estão em cartas, bilhetes, fotos. Lá conservo também coisas incomuns, objetos diversos, que requerem uma boa dose de loucura para se ter.
 Quando me deparei com meus desejos realizados e ainda assim num imenso vazio, sofri terrível dor. Não era questão de saudade, era falta mesmo. Estava a dois anos longe da família e dos amigos mas não era esse tipo de falta que me doía. Sondei meus sentimentos à procura de uma boa resposta para a tal inquietação. Por fim, descobri que tudo que eu queria era “não ter”, ou melhor, eu queria continuar iludido à respeito dos meus sonhos. Não queria tê-los realizados ainda, descobrir a futilidade deles foi cruel. Preferi a falta.
 Foi aí, nesse período de melancolia que eu resolvi colecionar lágrimas. Pela frequência e petulância que me visitavam já não tinha controle sobre elas. Então resolvi acolhê-las num vidrinho e guardá-las. 
 Hoje, quase de bagunça arrumada, abri a caixinha azul e lá estava o recipiente que abrigara minha dor. Senti raiva, pois quando pensei em ver o quanto chorei, quando quis medir minha antiga dor, vi que as lágrimas haviam evaporado. E agora, como poderei saber o quanto sofri?


Vinícius Neri